Esta semana me surpreendi com várias publicações nas redes sociais e nos grupos do WhatsApp, relativas à notícia de que a Emater de Goiânia – GO concluiu o desenvolvimento do pequi sem espinhos. As novidade já está sendo espalhada por ai através da distribuição de mudas.
São inegáveis e essenciais os avanços da engenharia genética, principalmente na agricultura e pecuária. Frutos e animais precoces, mais resistentes, mais produtivos, mais facilmente processados. Num mundo de quase 8 bilhões de bocas a serem alimentadas, com graves problemas de desigualdade, com sérias questões climáticas, realmente os avanços da ciência precisam ser comemorados e continuados.
Claro que há controvérsias em se tratando de alimentos geneticamente ou artificialmente modificados. Há, inclusive, desconfiança quanto à boa intenção de grandes grupos empresariais em relação ao desenvolvimento de novas tecnologias para alimentos. Puro interesse econômico ou a ciência em puro estado de criação e evolução. Acho que ambas as abordagens estão presentes.
Creio não ser o caso do nosso pequi sem espinhos, o qual pelo que entendi, é derivado de uma variação natural da planta, que produziu a preciosa fruta sem seus famosos espinhos. Mas não tenho certeza se realmente não houve alguma manipulação genética no processo de aprimoramento.
Com certeza a novidade deverá ser uma alegria pra muitos, pois já vi situações em que pessoas se recusaram a provar a maravilha com medo das agulhinhas vermelhas. Há diversos relatos de desavisados submetidos a dolorosas sessões, a base da pinça e paciência, a cata de espinhos ao longo da língua.
Eu adoro pequi desde que me entendo por gente. Na idos tempos da infância, após comê-los, colocava-os em cima do telhado para secar. Um ou dois dias depois, saboreava a castanha existente em seu núcleo pós camada de espinhos. Aqueles de Japonvar ou de Campo Azul, então… Delícia de carnudos!
Então, vou provocar! Comer pequi tem seu ritual. Gosto dele cozido na água com sal, passo na farinha de mandioca, lá de Morro Alto e começo a roer. Até o caroço ficar branquinho. Vez ou outra uma pontinha vermelha aparece aqui ou ali. Nenhum perigo para quem cresceu saboreando esse ouro do cerrado. Dedos assumem aquela coloração amarelo-pequi. Dizem que é por causa do tal do betacaroteno, que por sinal é bom demais para a saúde. Nada que uma boa lambida, água e sabão não resolvam.
Esse ritual é prazeroso. A gente vai roendo devagar, com o devido cuidado, apreciando cada raspadinha. Um, dois, três, lá se vai a dúzia…Bom demais da conta!!! Será que com o bicho sem espinho teremos esse mesmo prazer ou simplesmente jogaremos na boca e mastigaremos. Ou pior!!! Vamos comê-lo na etiqueta, com garfo e faca… Será que tem o mesmo gosto do seu irmão espinhento? Dúvidas…
Penso aqui. Já pensou ai? Em jabuticaba, pitomba, pinha, cajá, goiaba… tudo sem caroços… E o que mais vem por ai? Banana sem casca? Frango sem osso? Peru sem pescoço? Porco sem aquela panceta deliciosa, magérrimo? Curimatã sem espinha? Quiabo sem baba? Hum… Sei não!
Comer tem seus ingredientes: o sabor, o visual, o cheiro e os movimentos, a dinâmica, as caras e bocas… Segura aqui, corta ali, enrola lá, amassa acolá. Separa os caroços, tira as espinhas… Chupa, mastiga, bebe… Lambuza os beiços, lambe os dedos…
Agora, viajo… Montes Claros – MG, ano 2023, final de mês de janeiro, um senhor recém sexagenário está sentado numa mesa, na praça da Matriz, na Festa do Pequi…
– Seu pequi meu senhor, diz o garçom gentilmente.
– Cadê o espinho que estava aqui?, retruco!
Por Anderson Nobre