Durante vários anos, sempre aos sábados, acompanhei o meu pai às feiras no mercado municipal de Montes Claros – MG. Na verdade era em regime de “condução coercitiva”, pois tinha muita preguiça de acordar as 4:30 da manhã.
Sim, meu pai gostava de chegar bem cedo ao mercado. Dizia que era para pegar o melhor da feira, tudo mais fresquinho, recém chegado da roça. Além de fugir da muvuca que se instaurava lá pelas sete da manhã, quando o mercado fervia em gente.
Uma rápida lavada do rosto, escova nos dentes, vestir a roupa e pronto. Por volta das cinco horas saíamos de casa em direção ao nosso destino. Juro que eu tirava uns cochilos em plena caminhada… Seguíamos a pé, pois não tínhamos carro, no ritmo acelerado dos passos do Sr. Vandach. Morávamos no Jardim São Luiz e percorríamos em torno de uns dois quilômetros até o centro da cidade.
Naquela época o mercado ficava na rua Coronel Joaquim Costa. Uma parte da feira funcionava no interior do mercado. Outra, na rua mesmo, que, interrompida para o trânsito de carros, era recoberta por filas indianas de tapetes de quiabos, abóboras, batatas, tomates, jilós, pimentas, maxixes, ovos, mandiocas, queijos, folhas, farinhas, temperos, bananas, laranjas e outras muitas outras frutas. Bancas improvisadas no chão.
Dependendo da época do ano, surgiam os pequis, as cabeças de negro, as mexericas, as melancias, as mangas de todas as qualidades… e tantas outras coisas da estação. Multi eram as cores, múltiplos os odores, muitos os sabores. Ti-ti-ti de gente e de bichos (tinha muita galinha caipira a venda, cada uma cacarejando mais que a outra). Frenesi!!
Nossa peregrinação para as compras era sempre na parte da feira que ficava na rua. Meu pai sempre dizia que ali era mais barato. Ele percorria cada banquinha de chão, descendo e subindo a ladeira da rua. Eu e, as vezes, um outro irmão, íamos atrás carregando a cesta. Sim, cesta, daquelas antigas, feitas de fibra vegetal, já que dantes não existiam as cada vez mais vilãs embalagens plásticas.
Frequentávamos o interior do mercado apenas para comprar carnes, nos diversos boxes dos açougues. Os azulejos e os uniformes dos açougueiros, inicialmente brancos, logo ganhavam manchas vermelho-sangue ao manipular das peças bovinas e suínas. Nunca me esqueço do cheiro forte da carne vermelha daquele lugar…
Meu pai conversava com todo mundo. Conhecia muita gente. Tínhamos alguns vendedores de preferência, onde sabíamos encontrar os melhores produtos. Visita obrigatória! Mas meu pai, exímio na arte da pechincha, era paciente, negociador, gostava daquele ritual da feira. Perguntava o preço aqui e ali, sempre conferindo antes a qualidade cada um dos produtos.
Certa ocasião experimentei a minha falta de habilidade financeira em consumir aquela contada quantia semanal, destinada às compras. Meu pai teve um problema de coluna e não pode ir à feira. Fomos eu e o meu irmão Renarde. Encerrada a feira, era nítido que a cesta estava um pouco mais vazia do que de costume. Até hoje não sei como o meu pai conseguia encher aquela cesta. Arte de pai de família! Malabarismos para sobrevida do salário…
Terminávamos a feira por volta das sete horas. O pai normalmente ia para o trabalho e eu – acompanhado por vezes por meu irmão, o Renarde, ficávamos encarregados de levar a feira para casa. As vezes levávamos em anexo um franguinho caipira, que se debatia freneticamente tentando se livrar das amarras de palha nas canelas ou, talvez, do destino que o esperava no almoço de domingo. Outras vezes um cacho de coquinho azedo ou uma penca de banana, uma melancia…
Voltávamos para casa normalmente de taxi (preferência para o do seu Miguel ou do seu Osvaldo). Em algumas ocasiões – grana curta – era colocar a cesta no ombro e ir a pé até próximo à sorveteria Pinguim e pegar o lotação para o São Luiz. Já quando cursava o ensino médio, deixava a feira no taxi, tomava um rápido café com pão e manteiga lá mesmo no mercado e seguia Coronel Joaquim Costa arriba para a sessão de provas no Biotécnico.
Aquele “estágio” no mercado foi extremamente importante para mim. Adorava ouvir as conversas do meu pai com aquele povo simples, humilde, que vinha toda semana vender sua pequena produção no mercado. Peles bronzeadas ao sol, mãos engrossadas ao cabo da enxada. Frutos de pura dedicação. Verduras de um duro viver. Temperos de fé e esperança. Gente da roça!
Tive aulas práticas de como escolher as melhores verduras e frutas, os pequis mais carnudos, os abacates mais promissores, os quiabos mais tenros, as farinhas mais saborosas… Tive meus primeiros contatos com a variedade de frutas da região; as bolinhas de pitomba, o preguento jatobá, o pelotas de coco macaúba, de umbu, o cheiroso jenipapo feioso, o exótico panã, a deliciosa pinha…
Aprendi boas lições de economia e do valor das coisas, por mais simples que fossem. No pechinchar sei que tomei bomba… Pela timidez, eu creio.
Conhecimentos gerais internalizados aos sabores das Gerais! Obrigado Sr. Vandach!
Acho que foi dali que peguei gosto pela rotina das feiras, a qual mantenho até hoje. Não mais no velho mercado da Coronel Joaquim Costa, que já não existe. Não mais nas suas bancas de chão do asfalto. Nem sempre aos sábados. Não mais com meu pai e meus irmãos, infelizmente.
Por Anderson Nobre