Cercas e Concertinas

Ao preparar-me para retornar à Montes Claros, adquirimos em 2014 uma casa no bairro Sapucaia. Achamos o lugar muito interessante. Muito mato, poucas casas, nenhum comércio, bela vista para a serra. Lugar sossegado!

Em 2017, ao voltarmos para a cidade, iniciamos uma reforma no imóvel. Uma das primeiras coisas que tratamos na reforma foi a questão da segurança. Havia um grupo de WhatsApp no bairro onde, frequentemente, eram reportadas notícias de arrombamentos e roubos na redondeza.

Assim, logo nos foram apresentados os novos modelos de concertinas. Aquelas lagartas horríveis de arame, com lâminas cortantes que se instala sobre os muros. Agora elas vinham pintadas! Isso mesmo!! Branquinhas e com tratamento antiferrugem. Já a cerca elétrica, foi ofertada em opções de 4 ou 6 fios…Artigos de decoração!! Ah, também acrescentamos duas fileiras de tijolos nos muros. 

Agora sim, nossa residência adquiria ares de presídio – desculpem-me aqueles que acham que estou exagerando.  Presídios nos protegem dos lá de dentro, criminosos, cumprindo sua pena de acordo com os códigos judiciais. Casas, rodeadas de cercas eletrificadas, instaladas entre rolos de concertinas, nos  protegem dos lá de fora, potenciais criminosos a solta. Cruel inversão de papeis?

Moramos no Sapucaia há três anos e só registramos um único episódio suspeito,  por ocasião de um dos carnavais, em que deixamos a casa vazia. Nada de concreto aconteceu, ainda bem! Mas tenho que concordar que temos que ser cuidadosos, pois assistimos a diversos casos de violência, inclusive com perdas de vidas humanas. Agruras da nossa sociedade! 

Hoje o bairro Sapucaia está mais povoado! Todas as casas, sem exceção, decoradas com cercas elétricas e concertinas. Alguns, como nós, adicionaram câmeras e alarmes. Vez ou outra um disparo de cerca elétrica ou de alarme deixa em polvorosa o grupo virtual. Quase na totalidade dos casos, alarme falso. Melhor assim.

Agora, nesse início de 2020 fizemos uma curta viagem à São Gonçalo do Rio das Pedras. Para que não conhece, trata-se de um dos distritos do município do Serro – MG, bem próximo a Diamantina. Fica bem próximo, também de Milho Verde, outro distrito do Serro.

Lugar pacato, aprazível, ainda relativamente preservado. Casinhas coloridas, calçamento de terra ou de pedras, conferindo aquele ar aconchegante de interior. Aquela pracinha central, com a igreja. Algumas lojas de artesanato e culinária locais. Botecos (no plural), padaria, farmácia (esses no singular). Alguns córregos e cachoeiras. Tudo muito gostoso para quem aprecia mato, bichos e sossego. Eu!

A vida parece ali curtir preguiça. Sonolenta, oferta-nos a beleza da simplicidade daquele mundinho. Convida-nos a contemplá-lo…Ali gosto de andar descalço, provocando o gostoso reencontro de pé com chão. Sensação de ter raízes…

Senta-se na varanda de um boteco. Aprecia-se o entorno. Um modão caipira embalando…Tudo parece rodar em câmera lenta. O cachorro que se aproxima em busca de um petisco. A carroça que passa devagar. Cavalos soltos, aparando a grama verde da praça da igreja. O vaqueiro tocando algumas vaquinhas e seus bezerros. Carros, poucos, deslocando-se em marcha lenta, vencendo os obstáculos das estreitas ruas marcadas pela erosão. Até as águas dos riachos e das pequenas cascatas parecem desfilar devagar e na certeza de que não mais passarão por ali, pedem aplausos,  salpicando purpurinas de reflexos de luz. As pessoas num lento vai e vem.

Casas ali não tem cercas elétricas nem concertinas. A maioria nem muro tem. Cercas, quando existem, são de madeira e arame, sempre ornamentadas com plantas e suas flores multicores. Cercas vivas de pura belezura. Nem polícia vi ali! Lá meus sobrinhos, cutucaram minhas memórias de infância, ao correrem pelas ruas vazias, sozinhos. – Taqui um real menino, vai lá na venda e compra um doce ou um picolé.

Minha esposa, companheira de longa data, chamou minha atenção com relação à maneira do povo de lá. Crianças, adultos e idosos, quase sem exceção, passavam por nós com um semblante de felicidade. Sempre com um sorriso num bom dia, boa tarde, boa noite. Diferente do que normalmente estamos acostumados a ver, e também a praticar, na nossa cidade grande.

Pensei cá comigo e  acho que muitas vezes, além das nossas casas,  armamos nossas cercas e nossas concertinas internas. Temos medo! De quase tudo. Nos preocupamos, é,  de pré ocupar, com o excesso. É a violência, é o vizinho que incomoda, é o surto da doença, é o trabalho ou a falta dele, é a grana que tá curta, são os filhos que querem voar, é a incerteza quanto ao futuro… Nos distanciamos. É o sorriso que não sai, é o bom dia que não soa. São as portas que não se abrem. É o preconceito, é a intolerância, é o egoísmo, é o racismo, é o rancor…Ás vezes procuramos o complexo no que deveria ser simples.

Não sei se pelo pouco tempo que permaneci lá, não sei se pelas rodadas de cerveja e de caipirinha, não sei se me vesti com óculos cor de rosa neste janeiro de aniversário. Mas percebi, naquela São Gonçalo dos rios, das pedras, do chão de terra, das flores, das casinhas coloridas, dos bichos, uma gente simples, humilde, aberta, solicita, agradável, amiga. Uma gente aparentemente sem cercas e concertinas. Só voltando lá para conferir…


Por Anderson Nobre

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