Acordei hoje em sobressalto! Lembrei-me que sonhei… Sonhos e pesadelos em sequência, instigantes, temerosos, confortantes, antagônicos. Noite agitada. Devaneios do subconsciente.
Vi-me já desperto. Observei o céu num estrondoso azul. Logo fui atingido por um raio de sol, quente, brilhante, que se atreveu por uma fresta da cortina ainda semicerrada. Tive a sensação de alívio ao me libertar daquela noite onírica. Procurei me lembrar, então, dos sonhos e pesadelos. Daquela noite.
Lembrei-me que sonhei com um vírus, em forma de coroa, por isso o chamavam de “Corona”. Vindo de silvestres morcegos shaolins, atravessou rígidas muralhas na China e, impiedosamente buscou o ser humano. Espalhou-se por todo o mundo. Isolou, desolou, separou, confinou, asfixiou, matou…
Percebi que era mentira. Há muito os cientistas isolaram as cepas dos diversos vírus respiratórios, graças às ações e aos investimentos em âmbito global que deram foco à inúmeras pesquisas e testes científicos. Universidades foram aparelhadas, formaram-se mais cientistas, criaram-se mais laboratórios. A população recebeu uma carga jamais vista de informações acerca de medidas sanitárias e de higiene pessoal.
Com isso foram desenvolvidas medidas profiláticas e vacinas, aplicadas em massa, mundo ao redor. Para os poucos casos de infecção, haviam hospitais especializados e uma gama de antivirais eficazes contra os vírus respiratórios.
Lembrei-me que sonhei que as pessoas estavam confinadas em casa, amedrontadas, angustiados, sem norte, obrigadas a trabalharem remotamente ou mesmo, perdendo seus empregos.
E muitos que assim não conseguiam, principalmente os socialmente mais vulneráveis, estavam passando sérias dificuldades, psicológicas, sanitárias, financeiras… Gente privada das necessidades mais básicas para o ser humano.
Havia ameaça de convulsão social, contaminação em massa, esgotamento dos sistemas de saúde, público e privado e já se tornavam realidade os ataques à estabelecimentos comerciais para saques de alimentos e farmácias.
Percebi que era mentira. Há muito tempo os líderes das maiores economias do mundo se organizaram e empoderaram organismos sociais que reorganizaram a vida nas grandes cidades. O uso do transporte público foi totalmente racionalizado com o advento do teletrabalho. Altos investimentos em conectividade permitiram uma globalização virtual.
As iniciativas de ensino a distância, com ocasionais eventos presencias para preservação da integração e do necessário relacionamento entre as pessoas, viraram realidade, desde a educação básica à pós universidade.
As redes de distribuição e logística foram redesenhadas, promovendo eficiente integração de cadeias produtivas e consumidoras em níveis nacionais e internacionais.
As pessoas saem de casa para lazer, prática de esportes, visita a parentes e amigos, comemorações, alguns pouquíssimos encontros de trabalho.
Os serviços de delivery tornaram a grande onda na economia. Pede-se de tudo. Tem-se de tudo, em pouco tempo, a um clique em qualquer dispositivo conectado à rede mundial.
Consultas médicas presenciais foram reduzidas pelo amplo acesso a programas de telemedicina. Com isso, boa parte dos motoristas de aplicativos, motoboys, taxistas transformaram-se em entregadores de mercadorias.
Programas de assistência vieram no sentido de educar e incentivar o maior convívio familiar. As populações idosas foram acolhidas em iniciativas de melhoria da qualidade de vida e de convivência.
Lembrei-me que sonhei que as populações dos países pobres e emergentes estavam sufocados e, muitas, famintas e doentes, por uma jamais vista onda de recessão econômica, decorrente de uma avassaladora pandemia que assolou o mundo.
Percebi que era mentira. Não houve pandemia. Há muito os países ricos se organizaram num enorme programa de distribuição de renda. As populações antes carentes e desassistidas passaram a ter condições dignas de vida, com novas conquistas e perspectivas. Hoje, todos tem acesso a alimentação, graças a um forte programa coordenado pela ONU para a elevação da produtividade nas áreas agricultáveis e abertura das fronteiras para entrada de alimentos para todos.
Forte avanço nos conteúdos de educação de base e fomento ao pequeno empreendedorismo, mudaram a vida das populações emergentes. Programas de saneamento básico foram acelerados e é sabido que praticamente toda a população mundial conta com acesso à água tratada e redes de esgoto.
As barreiras alfandegárias para remédios, itens hospitalares e alimentos básicos foram derrubadas por acordos multilaterais, com abrangência mundial.
Lembrei-me que sonhei que em função de uma pandemia, países com maior poder militar começaram a dominar outros em busca de recursos para reerguerem suas economias e alimentarem suas populações. Que campos de refugiados surgiam a todo momento, cheio de pessoas doentes, subnutridas e quase à beira do desespero.
Percebi que era mentira. O chamado Pacto Mundial pelo Desarmamento, ocorrido já há quase 10 anos, eliminou massivamente as armas de destruição em massa. O militarismo reduziu-se praticamente às questões de segurança pública, tendo presente que não é possível reduzir a zero a criminalidade. Os campos de refugiados até então existentes forma desfeitos e grandes programas de habitação foram acionados de forma acolher os refugiados.
Lembrei-me que sonhei que a tal pandemia foi intensificada pelas questões ambientais e climáticas, pelas sucessivas agressões ao meio ambiente e a alta migração de pessoas para as áreas urbanas, sem as devidas condições sanitárias, de trabalho e de moradia.
Percebi que era mentira. Há muito o mundo acordou para as questões ambientais, fruto em grande parte das repetidas conferências mundiais sobre o clima e o meio ambiente. Com o reforço das ações derivadas do Acordo de Paris, de 2016, rapidamente as nações buscaram soluções alternativas aos combustíveis fósseis.
A eletricidade consagrou-se como a força motriz, movendo motocicletas, automóveis, caminhões, trens, aviões. A energia eólica deu um salto astronômico, trazendo bons ventos como alternativa de energia limpa e renovável. O hidrogênio também aparece como promissor componente da matriz energética.
Os índices de queimadas e desmatamentos diminuíram drasticamente em todo o mundo. Ao mesmo tempo, o uso racional de soluções de reflorestamento, continuam a suprir a matéria prima antes roubada pelo agir insano das motosserras e dos tratores.
Baseado em experiências de países Europeus, as ações de despoluição de rios e recomposição de nascentes ganharam foco e já apresentam-se bastante exitosas.
Os índices de emissão de poluentes caíram a níveis suportáveis, permitindo recomposição lenta, mas gradativa da camada de ozônio.
Lembrei-me que sonhei que em função do ataque viral, houve o recrudescimento da polarização política entre esquerda e direita, fazendo com que populações fossem segregadas fisicamente, fazendo lembrar Berlim com seu antigo muro. As pessoas se agrediam mutuamente. Fake News se viralizavam sem controle. Os sistemas de governo entraram em colapso.
Percebi que era mentira. Num esforço hercúleo, capitaneado pelos países do chamado G-40 – que reune as quarenta maiores economias do mundo, criou-se um Código Internacional de Ética nas Relações Políticas, com supervisão e arbitragem por organismos multinacionais. Algoritmos inteligentes foram desenvolvidos contra a disseminação de notícias falsas e conta mecanismos de manipulações eleitorais.
No Brasil, desde a implementação do parlamentarismo, onde o primeiro ministro governa sob forte supervisão, reina uma convivência política da mais alta maturidade, preservando-se os preceitos constitucionais e a democracia.
Acordei finalmente…
No quarto ainda escuro, lembrei-me que nesta noite sonhei que havia acordo em sobressalto, recordando-me de uma noite de sonhos e pesadelos. Que observei que o céu estava num estrondoso azul e que logo fui atingido por um raio de sol, quente, brilhante, que se atreveu por uma fresta da cortina ainda semicerrada.
Percebi, então, que despertava no primeiro dia do mês de abril do ano 2020. Tudo não passou de um sonho. Ou de um pesadelo. Ah, que pegadinha do meu subconsciente!!! Primeiro de Abril, dia da mentira!
Agora, bem acordado, lembrei-me em desalento que estamos em uma terrível crise de saúde pública. Sim, isso é a mais pura verdade e o meu pior pesadelo!
Um novo Coronavírus está disseminando uma grave doença mundo afora. A nova doença se espalha rapidamente, gerando demanda acima do suportado pelos sistemas de saúde, desorganizando a sociedade e deixando em polvorosa todos os governos do mundo.
Não há vacina, não há remédio. Apenas medidas de higiene pessoal e de isolamento social para frear a disseminação do vírus. Para atendimento aos enfermos com maior gravidade, há um esforço gigantesco no sentido de rapidamente ampliar a capacidade de atendimento na área de saúde.
O mundo se viu obrigado a se render à cruel verdade de um novo inimigo invisível. Não esperávamos por isso e muito menos estávamos preparado para isso.
A reboque do necessário isolamento social, virão as consequências para a economia, com projeções catastróficas em todo o planeta. Projeta-se forte recessão mundial para os próximos tempos.
Pessoas, empresas, governos, entidades do terceiro setor, todos, se movem compulsivamente no sentido de enfrentar a pandemia e minimizar suas consequências. Dias difíceis de confinamento, incertezas, perda de renda, distanciamento dos parentes e amigos, fronteiras fechadas, negócios paralisados, notícias tristes, mortes. Caos com clima de apocalipse dizem alguns.
Sabedores de não se tratar de uma pegadinha de primeiro de abril, infelizmente, resta-nos acreditar que tudo isso vai passar. Buscar maneiras de nos fortalecermos enquanto seres humanos, indivíduos, cidadãos. Enquanto organizações, enquanto governos, enquanto nações, enquanto mundo.
Teorias positivistas pregam a busca de oportunidades de aprendizados nas crises. Sejam elas no campo pessoal, político, econômico-financeiro, social, etc. Teorias sociais pregam reflexões sobre tudo o que nos trouxe até aqui. Teorias econômicas projetam planos para vencermos a recessão e recuperarmos os mercados. Teorias espiritualistas pregam uma interiorização, criatura buscando criador, para melhor entender e enfrentar esses tempos difíceis.
Que das teorias surjam boas práticas, pois muitos acreditam, em teoria, que o mundo será outro pós COVID-19. Novos conceitos, novas percepções, novas relações, novas práticas e atitudes, nova ordem…
Que venham em favor do elemento mais básico em todas essas relações: as pessoas. Que venham em favor de uma maior consciência de tempo e de espaço que norteiam nosso existir nesse planeta. Que venham em favor do enriquecimento das relações pessoais e organizacionais. Quem venham em favor da redução das desigualdades que assolam a população no mundo. Que venham em favor dos cuidados com a vida e com o meio ambiente. Que venham em favor da paz. Que venham!
Que entre sonhos e pesadelos, tenhamos bons sonhos!
Por Anderson Nobre