Formigas Aladas

Proseando dia desses com a minha mãe, ela me disse que compartilhou alguns dos meus textos com amigas (eita coruja!). Contou-me que uma delas havia sugerido que eu escrevesse algo sobre formigas com asas.

Naquele instante, apenas ouvi e não pensei muito no assunto, visto que iria sair para comer um delicioso crepe com a minha netinha, a qual não me perdoaria se eu trocasse o delicioso quitute por formigas com asas.

Mas, algo ficou buzinando na cachola. Formigas com asas… Por que teria a amiga da minha genitora sugerido tal tema? O que será que ela gostaria de ler sobre esse tema?

Então, inquieto que sou, enveredei-me para campo das conjecturas. Antes, no entanto, lembrei-me das formigas com asas que costumava capturar nos meus tempos de infância/adolescência, as tanajuras. Capturava e as levava para o meu pai, que retribuía com uma ou duas moedinhas. Sorvete do dia garantido!

Meu pai apreciava a parte de trás do corpo daqueles insetos. Ele arrancava a bundinha das bichinhas e levava ao fogo. Torrava, adicionava um pouco de farinha e pronto. Abria aquela geladinha e se deliciava. Iguaria!

Aquela protuberância das tanajuras é cheia de uma substância cremosa, clara, com aspecto gorduroso. Aquilo deve um misto lipoproteico de pura energia! Para os apreciadores, tira gosto de geleia real!

As tanajuras são, por condecoração da natureza, as rainhas das formigas cabeçudas, aquelas cortadeiras, conhecidas como saúvas. No verão, logo ao estiar das primeiras chuvas, aos primeiros raios quentes de sol, elas deixam os formigueiros maternos e decolam. Normalmente são acompanhadas pelas iças, as formigonas machos. É a natureza, no seu contínuo ciclo. Tanajuras e iças em momentos de núpcias, breves, reprodutivos.

Hoje, apesar de morar em um bairro ainda pouco habitado e bem arborizado, é raro meu encontro com as tanajuras. Afinal de contas, as potentes cortadeiras não cavam o asfalto ou o cimento.

Fecundada, cada tanajura rainha dará início a um novo reinado, uma colônia com milhares de novas sauvinhas, tanajuras e iças. Perpétua reciclagem da vida.

Ao saírem de seu formigueiro natal, as tanajuras tem asas. Voam alto! Ao pousarem, normalmente perdem definitivamente o instrumento de voo e voltam ao locomover formiga.

Teria a amiga da minha mãe pensado nas asas efêmeras das tanajuras? Teria ela, num flash de conexão com a nossa condição humana, pensado nas pessoas que logo deixam suas asas, podadas por circunstâncias do já curto voo do viver?

Sonhos diversos, caducados pelo passar do tempo e que possivelmente não mais se realizarão – filhos, viagens, estudos, trabalhos, paixões, amores e relacionamentos… Pessoas que abandonam um desejado caminho de vida para cumprirem um destino que lhes é imposto, por outrem ou mesmo por códigos sociais e culturais. Pessoas obrigadas a assumirem responsabilidades, por vezes precocemente, sem estarem maduras para tal, atrofiando asas dos voos pessoais.

Ainda hipoteticamente, estaria a amiga pensando justamente no curto tempo de duração das asas das formigas? Que se vão definitivamente ao primeiro pouso, remetendo-as ao inexorável cumprimento da sua missão biológica, num buraco escuro de terra?

Que pena! Que bom deve ser ser um ser alado. Sentir-se nas alturas. Subir, subir, sem temer o pecado de Ícaro. Contemplar tudo lá de cima, sentir o vento no rosto, tocar nuvens, quem sabe estrelas. Ampliar o campo de visão, conquistar, realizar, planar, sonhar, sonhar e sonhar. Livre, para pousar onde e quando quiser. Para voar para onde e quão alto conseguir. Explorar terra e ar. Ver e viver além do alcance.

Somos, nós humanos,  capazes de recriarmos nossas asas perdidas nos pousos da vida, para sermos eternas formigas aladas? 

Talvez, minha mãe, sua amiga apenas seja encantada pela anatomia, pela estilo de voo ou mesmo pelo papel ecológico desses provisórios insetos alados.

Poderia eu aqui, continuar em meus devaneios acerca do tema. Mas acho que o melhor mesmo seria conversar com a amiga da minha mãe e desvendar o mistério.


Por Anderson Nobre

5/5 - (1 voto)