Fraturas

Havia bem uns 30 anos que eu não subia numa bicicleta. Aposentado, resolvi adquirir uma… Estilo mountain bike, aro 29. Comecei a pedalar aos domingos pela manhã, mais tranquilo, menos trânsito de automóveis. Costumava andar entre 30 a 35 quilômetros pelas ruas e avenidas de MOC. Tudo asfalto.

Certo dia, estava a pedalar pelos rumos do bairro Morada do Parque, quando encontro um outro ciclista. Não o conhecia. Ao me ver, ele imediatamente me convida a acompanhá-lo, subindo a serra que dá acesso a BR 365 (sentido Pirapora) até a altura do Posto Barral e
depois seguir por uma trilha de terra. Disse-lhe que há 30 anos não fazia tal peripécia e que talvez não aguentasse a subida da serra. 

Com mais um incentivo do novo amigo, aceitei o convite, entusiasmado pela aventura que se avizinhava. Subimos a serra e, para minha surpresa, foi mais tranquilo que eu esperava. Acho que graças às corridas na esteira que nos dão um bom condicionamento físico.

Chegamos ao Posto e ele logo aponta para uma estrada de terra por onde íamos seguir. Estrada afora, paramos num pequeno bar utilizado tradicionalmente como ponto de apoio para os ciclistas aventureiros. Hidratados, vamos a trilha…

Era uma estrada com bastante cascalho, iniciando-se já com um pequeno declive. Confiante, acelerei e, de repente, punido pela inexperiência aciono o freio dianteiro. Em segundos, nos separamos, eu e a magrela. Ela, ficou caída ali mesmo. Eu, sai deslizando de peito, cascalho abaixo, tentando conter a queda com as mãos. O estrago só não foi maior porque estava de capacete e luvas.

Mesmo com os acessórios de segurança, logo percebi uma dor na mão direita. Observei que estava sangrando um pouco e um dos dedos parecia um pouco encurtado e sem mobilidade. Num ato quase involuntário, puxei o dedo e notei que tinha algo estranho. Parecia que estava solto.

Comecei a sentir dor, já desconfiando de algo mais sério com a minha mão, que já começava a inchar, mal cabendo na luva. Sem forças naquele membro, decidimos não arriscar a descida da serra pela rodovia, pois dificilmente eu conseguiria acionar os freios.

Resolvemos, então, seguir pela trilha. Antes, paramos numa pequeno sítio e, para a minha surpresa, o proprietário havia sofrido um acidente de moto e tinha ali faixas e soro fisiológico. Lavei com dificuldade os ferimentos da mão, improvisei uma faixa no dedo e seguimos mato adentro.

Em alguns trechos éramos obrigados a descer da bicicleta, pois eu não conseguia guiá-la apenas com uma das mãos. Eram uns 8 quilômetros de trilha até chegarmos a parte asfaltada da cidade. Foi um sufoco tremendo! Um interminável sobe e desce da bicicleta. Dor aumentando…

Cheguei finalmente em casa, depois de umas duas horas do ocorrido. Tomei um banho e fui direto para a Santa Casa. Por sorte, havia no plantão um médico ortopedista especialista em mãos. Logo ao examinar a radiografia, veio o diagnóstico de fratura, seguido da recomendação de cirurgia o mais breve possível.

Cirurgia realizada, placas e parafusos devidamente instalados, partiu fisioterapia. Sessões dolorosas, mas reabilitadoras. Recuperei praticamente 99% dos movimentos do dedo e acho que até ganhei força na mão por conta da fisioterapia.

Consolidada a fratura, ficaram as cicatrizes, a placa e os parafusos…

Penso que em nosso pedalar pelas trilhas do viver é assim. Estaremos sempre suscetíveis às fraturas. Diversas. Fraturas nos sentimentos, nas emoções, na espiritualidade, no coração. Fraturas sociais também.

Aquele relacionamento que terminou de forma inesperada ou decepcionante. Uma doença que veio.  Um ente querido que se foi. A perda ou a falta do emprego. A promoção que não veio. A grana que tá curta. A depressão que bateu. O pânico, o desalento. A discriminação, o bullyng, a desigualdade, a violência. A esperança que se foi…

Algumas, fraturas expostas, outras, contidas em nosso interior. Todas sofridas, mas, na maioria das vezes curáveis. Para algumas, conseguiremos força para superá-las sozinhos. Para outras, precisaremos de alguma forma de ajuda. Às vezes, de cirurgias profundas,
reparadoras;  de fisioterapias de alma e mente. 

Mas, talvez o melhor e o verdadeiro remédio seja o tempo!! Sim, ele mesmo, implacável, inexorável, vai curando ou pelo menos tentando nos tapear…

Marcas irão ficar. Visíveis ou invisíveis. Muitas para toda a vida, como troféus conquistados pela superação em momentos difíceis ou como uma saudade eterna por algo que tivemos e não teremos mais.

Sejamos resilientes. Tenhamos fé e esperança. Tratemos dessas nossas fraturas!

Por Anderson Nobre

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