por Ramon Freire Nobre – abr/2020
Me pego sempre com um olhar que falta movimento, estático fixado em algo lá fora.
Onde estão meu olhos de criança? Olhos sedentos, selvagens em um movimento ininterrupto mergulhados no infinito desvelamento do mundo.
Onde estarão meu olhos de criança?
Será que ficaram para trás, perdidos no tempo?
Onde está o menino de pés descalços que seguia apaixonadamente o vento, que habitava os desencontros, que amava a arte de se perder, que descia as ladeiras, desenfreadamente, em incansáveis rodopios, imerso em devaneios lúcidos transbordados de beleza e encantamento?
Hoje restou-me a saudade desse tempo perdido. Persiste agora apenas a sombra de uma estátua de pedra, que não pode mais acompanhar as travessuras das ventanias.
Enclausurado na rigidez da rocha , o coração vivo ainda palpita, ávido pelos sussurros, vindo de bem longe, dos sons dos trovões, pelos lampejos dos raios das tempestades que se formam em algum lugar distante.
Mas ainda respiro, pela brisa úmida, refrescante que ainda penetra as fissuras da pedra, formadas e abençoadas pela sagrada insistência do vento em me chamar a acompanhá-lo para o momento das grandes travessias, para maravilhosa e indescritível dança da vida…