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O Excesso e o Limite

Já faz algum tempo que descobri o prazer e os benefícios de uma boa caminhada, conjugada a uma boa corrida. Atualmente, gosto de fazê-las pela manhã. Até pouco tempo, corria na esteira, em casa mesmo. Cheguei a atingir a marca de 70 a 80 quilômetros por semana. Bons tempos!

Faz pouco mais de um ano que troquei a esteira pela pista do parque Sagarana, aqui em Montes Claros – MG. Correr no parque exige mais do corpo. Nos últimos tempos tenho sofrido com algumas interrupções forçadas – cirurgia na mão, cirurgia nos olhos, lesões no quadril, no joelho e no ombro. Agruras do tempo!

Isso fez com que eu tivesse que interromper as corridas. Continuei com as caminhadas, alternadas com os períodos de descanso para recuperação. Ainda bem que os “anjos” e as “anjas” da clínica Form, onde faço fisioterapia e pilates, tem feito milagres com esse já judiado ser.

Graças à fisioterapia e a persistência consegui voltar a correr no parque. Não no mesmo ritmo dos tempos da esteira, mas já consigo percorrer de nove a dez quilômetros três a quatro vezes por semana.

Hoje de manhã iniciei minha corrida como sempre faço, seguindo o meu objetivo das oito voltas. Talvez um pouquinho mais. Na minha mente, sempre duas vozes me acompanham. Uma a do “Excesso”, aquela que gosta dos desafios, da superação a qualquer custo, sem noção de idade e do tempo de uso, manda acelerar, apertar o passo, ir além da meta. A outra, a do “Limite”, mais calma, cuidadosa com a estratégia, atenta à cadência, sabedora do tempo passado, visando preservar o físico para que a meta seja atingida e para a continuidade da atividade física diária.

Estava quase na metade da segunda volta. De repente, percebo alguém se aproximar e me ultrapassar. Era uma jovem, correndo numa postura invejável, correta, sem dar sinais de exaustão ou de esforço além da conta. A voz do Excesso, logo se levanta, batendo as palmas das mãos e diz: – Vai, vai, acompanha a moça… Você consegue, vai, vai, mais rápido.

Obediente e desafiado, passei a acompanhá-la, mantendo-me a dois, três metros atrás. Terceira volta e eu no encalço da garota… – Vai, vai, vai, alcança, alcança ela…, dizia o Excesso em alto e bom tom. Mas eu via a distância crescer… Tentava acelerar, quando entra em cena a voz do Limite, sábia, conselheira: – Tá maluco meu amigo? Mantenha o foco! Olha a meta, a nossa estratégia. Não tá vendo que ela deve ter uns trinta anos a menos que você? E deve ser uns trinta e cinco quilos mais leve? Fica na sua e segue o combinado!

A moça cada vez mais longe, 10, 50, 100 metros… O Excesso, como resgatando a memória dos desafios de corrida nos tempos da educação física com o professor Jackson, insistia, usando um pouco de psicologia: – Vai cara, você consegue. Força! Superação! E, percebendo inconformado a desobediência das minhas pernas e do meu fôlego, se transforma em algoz, feito aqueles das galés romanas. Chicote nas mãos e aos gritos: – VAMOS!! QUE MOLEZA É ESSA!! RÁPIDO, MAIS RÁPIDO!!!

O Limite, retrucou de imediato: – Sem chance. Não vamos destruir tudo que conquistamos até agora. Deixe a moça no ritmo dela e vamos seguir no nosso. Você já tá ofegante, fora da cadência ideal. Vai se lesionar novamente.  Você nem conhece a estratégia da menina! Quantas voltas ela vai conseguir dar naquele ritmo? Juízo meu rapaz!!!

Resolvido então: – Tá bom, seu Limite, você venceu… Eu devo tá cansado hoje, pois peguei pesado no pilates ontem. Desculpas de sempre…

Conformado e ajuizado, acho, sigo então na minha cadência, concentrado na postura e nos movimentos, tentando manter abdome contraído e conectado – como recomenda a professora do pilates – para atingir os meus aproximados 9 km/h. O ombro incomodando um pouco. Mas tá bom demais!

Quase completando a sétima volta, vejo a garota parada, se hidratando. Depois não a vi mais correndo. Cumpriu sua meta!!

Penso então, nesse conflito em definir ou entender nossos limites, evitando os excessos. Digo em relação a tudo. No exercício físico, nas questões financeiras e econômicas, nas questões ligadas à saúde, nos relacionamentos, no exercer dos nossos direitos e, até, no cumprimento dos nossos deveres. Nos outros diversos atos de consumir, nas famosas e milagrosas dietas, no uso dos irresistíveis celulares, no tempo dedicado às redes sociais, etc. etc. etc. 

Lógico que os desafios, os impulsos, a ousadia podem ser elementos catalisadores para o nosso crescimento, as nossas conquistas. Mas, temos que saber onde termina a montanha e começa o precipício. Sim, entendo que é preciso cuidado com os excessos. Que é preciso reconhecer e respeitar os nossos limites. Preservar.

Finalizei minha corrida de hoje. Praticamente nove voltas, uhuuuu!!! Acumulei meus créditos para a cervejinha do fim de semana, a ser apreciada no limite, sem excessos!!


Por Anderson Nobre

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