Foto: Anderson Nobre - em Montes Claros - MG

Malabaristas

Amarelo. Atenção!! Em poucos segundos, vermelho. De dentro do carro, agora parado, observo uma movimentação lateral em direção ao meio da rua. Repete-se uma cena cada vez mais comum nas grandes e médias cidades.

Estão sempre nos cruzamentos sinalizados por semáforos, ocasião em que, num curto ciclo de luz vermelha, apresentam seu espetáculo. Já notei pelo sotaque que a maioria deles é estrangeira, sul-americanos. Aqui na minha cidade há até venezuelanos, recém chegados do vizinho do norte.

Pareço ouvir: – Respeitável público!!!. Entram no palco. A rua, picadeiro de asfalto, sol como  ribalta. Com seus elementos diversos. Ora bolas, facões, anéis, pinos parecidos com aqueles de boliche, ora tochas em chamas… Alguns se exibem sobre monociclos. Artistas de rua.

Habilidosos, fazem seu show sob olhares da plateia de motoristas parados a espera do verde lume. Uns admirados, atenciosos, incrédulos. Outros, desatentos, as vezes com certo desprezo, impaciência . Seguir… Impossível agradar a todos! 

Sincronizados com o mecanismo de sinalização do trânsito, interrompem a apresentação segundos antes do mover dos veículos, tempo necessário para percorrerem poucos metros, entre carros, à cata de uns trocados. Até o próximo amarelo…

Durante o espetáculo, vez ou outra, alguma peça cai, quebra o sincronismo. Faz parte. Eles ou elas, contornam a situação com categoria, impávidos. O show tem que continuar. Vida de malabarista!

Nesse rápido parar ao vermelho do sinal, vagueio. Penso nos malabaristas da vida. Aquelas pessoas que tem a incrível capacidade de manipular múltiplos elementos. Ora gente, ora situações, ora um monte de coisas a fazer… Parecem até com  aqueles equilibristas de pratinhos, que os mantem rodopiando na ponta de varetas flexíveis. Volta e meia, tem que correr lá e cuidar do pratinho que começa a bambear, prestes a cair. Gira, gira…

Seus pratinhos?  Os afazeres de casa, o trabalho, os compromissos, os boletos, o cuidar de si, da família, a atenção aos amigos, o auxílio voluntário aos desconhecidos… 

Suas varetas? O senso de responsabilidade, o dever, o amor, o carinho, a atenção, a empatia, o altruísmo, a doação, a fé… Virtudes de equilíbrio própria dos bons de alma. Daqueles que materializam intenções em ações. Diversas. Capazes de distribuir o foco de atenção para o além de si. Como conseguem?

Parecem ter o poder de manipular o tempo, estendendo segundos, minutos e horas. Seria o tempo também  mais um pratinho a rodar?  Incansáveis, correm daqui, dali, pra cá, pra lá. Cientes e conscientes da sua missão, improvisam palcos e ribaltas. Não esperam pelos aplausos, nem pelas moedinhas. Sentem-se recompensados pelo valor do fazer. Por isso não se abalam, mesmo quando um ou outro pratinho se quebra. Enfrentam a situação e logo um outro pratinho estará rodando… Como conseguem?

Acelero o pensamento. Semáforo às vésperas do verde. Instantâneo de tempo suficiente para um cruzar de olhos num cruzar de ruas. Os meus, satisfeitos com o que assisti. Os dele, disfarçados à maquiagem do palhaço, em um breve sorriso. Será gratidão ou pura obrigação? Que sentimentos tomarão conta daquele malabarista no intervalo entre o verde e o próximo vermelho? Esperança, ansiedade, excitação, satisfação, alegria, tristeza…? Pura arte da sobrevivência!

Assim, pensativo, constato não ter o dom dos malabares, qualquer que seja a sua modalidade. Seria possível desenvolvê-lo ou será dom intrínseco e restrito a determinadas pessoas? 

Para aquelas modalidades praticadas pelos artistas das esquinas, já tentei. No máximo duas ou três laranjas arremessadas para cima. Devagar… Desisti!  

Para dar conta dos diversos elementos da vida, necessário se faz aprender a rodar mais pratinhos, encontrar mais varetas. Dar tempo ao amarelo e ao vermelho, interrompendo a inércia de um verde seguir quase que em piloto automático. Persistir!

Gosto de assistir o espetáculo dos malabaristas de rua. Admiro sobremaneira os malabarista da vida!


Por Anderson Nobre

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