Sou fascinado pelo universo. Nas noites sem nuvens, gosto de sair para o quintal e observar o céu, as estrelas, a lua. Ontem cumpri meu ritual. O céu estava aberto, não tinha lua. Mas havia estrelas, diversas, mesmo ofuscadas pelo artifício das luzes da cidade.
Alto míope desde adolescente, mas por vergonha, acreditem, somente comecei a usar óculos quando fui trabalhar, aos 18 anos. Quantos detalhes deixei de enxergar até aderir ao necessário acessório? Ao longo do tempo a miopia só foi aumentando, superando os 10 graus.
Os óculos sempre me incomodavam. Gostava de jogar futebol; tirava os óculos. Óculos machucando o nariz; fora. Umas noitadas mais animadas; perdia ou quebrava os óculos… Logo adaptei-me as lentes de contato. Maravilhas da ciência. Utilizei-as durante quase 40 anos!!! Trocava a cada trinta dias, é lógico.
Recentemente, minha visão começou a piorar. Pisco, pingo um pouco de lágrima artificial, troco as lentes…Nada resolve. Pedia uma visita ao oftalmologista!
Já ao primeiro exame, o doutor foi taxativo: – Catarata precoce meu amigo. Cirurgia! Fazer o que? Vamos às cirurgias! Corrigida a catarata, aproveitamos também para corrigir a miopia. Fiquei praticamente zerado!
De volta ao quintal, de lentes novas, agora intraoculares, observo mais estrelas do que antes. Aquelas de brilho mais intenso, provavelmente por serem maiores ou estarem mais próximas da terra, continuavam lá como dantes. Mas agora apareceram outras, que eu não via há muito tempo. Mas estavam lá. Menos brilhantes, mas não menos importantes no seu papel no equilíbrio cósmico. Obrigado doutor!
Penso ser assim na vida. As nossas miopias e cataratas sociais ofuscam, por vezes, estrelas vestidas de gente que orbitam ao nosso redor. Provavelmente, consigamos sempre enxergar aquelas maiores, de brilho percebido intenso, que chamam mais a nossa atenção, que estão mais próximas ou para as quais, por alguma motivo, precisamos focar o nosso olhar.
Mas há outras, muitas outras, que podem parecer menos brilhantes, que não enxergamos, não trocamos olhares, deixamos de contemplar. Miopias e cataratas adquiridas ao curso da existência: preconceito, discriminação, soberba, egoísmo, depressão, preocupações, ocupações, stress…Verdadeiras “doenças” nos olhos do sentir e do perceber.
Vão nos cegando, aos poucos, invariavelmente de forma imperceptível. Acabamos nos acostumando, achando normal. Mal coletivo, que contagia, contamina, isola, discrimina, elimina. Efeitos indevidos da refração entre consciência e inconsciência, embaçando a realidade, criando distâncias. Névoa!
Tratá-las, não é fácil. Primeiro é preciso reconhecer os defeitos de visão. Depois, muita determinação e perseverança, A exemplo das doenças físicas, às vezes é preciso auxílio. Certas vezes, especializado. Benditos sejam aqueles mais atentos, que enxergam as constelações e com a atitude de seus bisturis interiores, nos auxiliam a revelar à consciência aquilo latente no inconsciente. Perceber o antes imperceptível. Ver o invisível.
O uso de óculos, lentes, a realização de cirurgias corretivas é decisão de cada um de nós, inalienável. Quem quiser enxergar as constelações desse mundão de meu Deus, tem que querer, tem que agir. Abrir os olhos da alma. Eliminar as miopias e as cataratas sociais.
Por Anderson Nobre