Serra das Boas Lembranças

Quem me conhece ou já leu alguma coisa que eu escrevi já deve ter percebido como eu gosto das coisas da natureza.  Confesso-me poligâmico, pois não me contento com uma; quero todas as suas belezas.

Confesso-me, também, especialmente saudoso das belezas daquela Montes Claros dos anos 60 e 70, principalmente das belezas que encontrei nas regiões onde morei.

No final do ano de 1970 mudamos para o recém criado bairro Jardim São Luiz. Naquela época era meio que periferia, sem nenhum sentido pejorativo, mas pela sensação de distância de tudo. Além do São Luiz, em direção à serra, praticamente não havia edificações. Era só mato e pedra!

E é justamente daquela serra que agora me lembro. Sempre me encantei com a beleza daquele paredão. Dali de casa, na rua Daniel Costa, podia avistá-la quase em sua plenitude. Lembro-me claramente da visão da então distante Faculdade de Medicina, um prédio todo branco com uns letreiros vermelhos na parte superior identificando a instituição. Dava para ver claramente a poeira e a fumaça levantadas nas explosões lá na fábrica de cimento, descascando pedaços da serra.

Abaixo da rua onde se situa hoje a escola Professor Alcides Carvalho (Polivalente) também só havia mato. Ali era a porta de entrada para algumas aventuras na serra. Íamos, eu e alguns irmãos, à caça de pequenos cursos d’água para captura de piabas. Aos baldes, as trazíamos para casa e depositávamos na caixa d’água construída sob o piso do quintal.

Visitávamos cachoeiras, pequenas na verdade, mas de queda d’água forte, dependendo da época do ano.

Diversas foram as vezes que fui buscar leite, “direto da vaca”, em uma fazenda situada  quase já na serra, onde hoje provavelmente fica hoje o Shopping Ibituruna.

Nessas aventuras de infância, lá ao pé da majestosa, ficava encantado com a flora e a fauna, pois abundavam árvores, pássaros, insetos e répteis, mesmo nos períodos de estiagem. A paisagem era incrível. Sempre gostei do cerrado.

Com o tempo, a visão da serra, daquele mesmo ponto na rua Daniel Costa, foi sendo substituída por telhados, janelas, paredes, torres de transmissão de energia, cabos…Hoje já não a vejo dali. Vieram os bairros Ibituruna, Morada do Sol, Vila Mauricéia, Morada do Parque, Morada da Serra e muitos outros. Surgiram os condomínios!!! O pé – e até as pernas!!! – daquela serra foram corroídos pelo espalhar ácido do concreto e do asfalto. Os cursos d’água e muitas nascentes, drenados pelos labirintos das redes de água e esgoto.

É minha serra, é o tal do progresso. O tal do desenvolvimento. A sua Montes Claros crescendo e seus claros montes diminuindo.

Hoje, já sem as cachoeiras e praticamente sem nenhum curso d’agua (adeus piabas!!!), estou residindo bem pertinho dela, no bairro Sapucaia. Daqui ainda é possível contemplá-la, desviando o olhar de uma ou outra construção. Encanto-me com suas árvores, seus matos, seus bichos e suas pedras. Eterna poligamia!

Daqui do Sapucaia, na pequena sacada em minha casa, continuo a observá-la, num rito de amor, platônico eu sei, mas gratificante. Por quanto tempo, não sei… Sei apenas que minha mente, sempre desobediente, busca aquela serra dos anos 70.

Insiste em me lembrar do verde intenso de suas árvores durante estação chuvosa.  Dela, a serra, em alguns dias de chuva, mostrando-se tímida pela sua excessiva exuberância, escondendo-se atrás de brancos flocos de névoa, parecendo querer subir céu adentro!

Remetendo-me aos seus tons marrons acinzentados da estação das secas, época em que eram comuns as queimadas para a limpeza da terra e revitalização dos pastos. Lá de casa, aquela da Daniel Costa, dava pra ver as labaredas de fogo, vivas, como lagartas, serpenteando-se ao consumir a vegetação seca.

Chegava a primavera e começava uma nítida transformação, quando as cores áridas de julho e agosto se confundiam entre os primeiros tons do verde de setembro e outubro.

É esse o sertão das Gerais, que orquestra seus infinitos elementos, mimetizando-os ao sabor do tempo, entre a rudeza da estiagem e a delicadeza das águas. Mas sempre belo!

Vem minha serra, traga-me boas lembranças…Sempre.

por Anderson Nobre

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