Um Banho!

A cidade de Montes Claros – MG, tem sido contemplada com diversos novos espaços públicos. Os chamados parques. Sem nenhuma alusão à questões políticas, entendo como muito bem-vindos esses novos espaços, sendo gratificante reconhecer que o poder executivo vem utilizando os recursos públicos para o bem estar da população em geral.

Os parques, estão geograficamente bem distribuídos pela cidade e vêm sendo utilizados principalmente para atividades recreativas.

Agora, já meu velho conhecido, o parque Sagarana, situado no bairro Ibituruna, é um belo exemplo desses espaços. Aquele local ficou abandonado por anos e anos, como uma nesguinha de mata, resistindo ao avanço de ruas e avenidas. Passando por lá, em qualquer dia da semana, entre 5 da manhã e 10 da noite,  há sempre gente. Gente caminhando, correndo, meditando, fotografando, namorando, passeando com
seus pets, contemplando.

Tornou-se um espaço aberto, democrático, público. Ricos, pobres, as mais diversas matizes de peles, as mais diversas faixas etárias frequentam aquele local. Tem os de tênis último tipo, ergonômicos ao extremo, tem os de tênis mais simples e até gente andando de
chinelos (com certeza não por opção). Roupas de grifes de moda “fitness”, roupas comuns e até aqueles que se animam num jeans e camisa social (estes sim, creio que por opção).

Cachorros de diversas raças, cores e tamanhos também desfilam ali. Do Lulu da Pomerânia até o pé duro e o vira-lata. Alguns sem dono.

Todos, parecem curtir a sua missão de manter em dia a forma física e mental. Uns sozinhos, outros em turma. É assim durante toda a semana.

Caminhava pelo parque num dia desses. De repente, vejo próximo a uma das torneiras um senhor todo ensaboado. Alto, pele bem morena, usando apenas uma bermuda ele cumpria ali sua rotina de higiene pessoal.

Seu “banheiro” tinha paredes invisíveis. Chuveiro, uma torneira, onde ele pegava água em um recipiente plástico, reciclado provavelmente de uma dessas embalagens de produtos de limpeza.

Notei que algumas pessoas, ao se depararem com aquela cena, pareciam curiosas, meio que incrédulos. Pelas expressões e até cochichos, alguns poucos pareciam reprovar. Outros numa expressão de surpresa e até de compaixão. Muitos indiferentes…Cena comum num cotidiano século XXI.

O banhista me transmitia a impressão de um certo constrangimento. Cabisbaixo, coletava água e se molhava em movimentos lentos. Ensaboava-se como se o sabonete fosse uma ferramenta, daquelas comuns em aplicativos digitais de desenho, que você passa sobre a figura e ela vai se apagando. Ela parecia não querer estar ali. Parecia querer que aquele banho limpasse aquela sua situação de vida.

Ao passar por ele, também em constrangimento, tentei não fixar o olhar. Observando-o de soslaio, logo me lembrei de que assim que terminasse a minha caminhada, encontraria o meu banheiro, com suas paredes, chuveiro com regulagem de temperatura, sabonetes, shampoos, cremes, etc, etc. e desfrutaria da minha privacidade.

Confesso que naquele momento tomei um banho de vergonha pela minha covardia social. Pensei em o que eu poderia fazer por aquele sujeito. Nada? Conversar com ele? Oferecer ajuda de alguma forma, para que procure um albergue ou coisa parecida que possa retirá-lo daquela exposição?

Nada fiz, continuei caminhando… Duas voltas seguintes, ele já estava vestindo uma bermuda e uma camisa de mangas compridas. Usava um boné e segurava sua mochila. Logo o reconheci, pois quase todos os dias ele visita aquele parque. Pode ser que até durma por lá. De outras vezes, o vi lavando suas poucas peças de roupa, escovando os dentes ou simplesmente sentado em uma das diversas mesas disponíveis. Em silêncio e como se nada observasse.

Nunca fui um ativista social. Seria hipocrisia da minha parte tentar me apresentar dessa forma. Mas confesso que ver aquele homem naquele banho ao ar livre lá no parque mexeu comigo. Talvez por um exercício até indevido de empatia, pois tudo o que relatei é fruto da minha percepção. Talvez ele não estivesse constrangido como imaginei. Talvez ele tenha buscado aquela situação de vida. Talvez nem quisesse ajuda… Talvez esteja feliz. Talvez…

Eu, incomodado por essa minha inércia social, terminei minha caminhada e fui tomar um banho.


por Anderson Nobre

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